Arte pela arte

Ars per Ars- Arte pela Arte


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sinfonia de Sépias e Ressentimentos

Mergulhado em águas de correntezas dançantes

Em meio a algas-bailarinas de inspiração

Lavei meus rancores e desafetos de outrora

Saciei minha sede por motivação à obra perfeita

Brindei aos deuses do paraíso artístico – Gênios da História

Com a bebida benta e rubra,

Meio amarga pelo sangue derramado de desilusões,

Meio doce pelo vislumbre idílico dos dias de glória

E vesti-me com a túnica sagrada dos imortais.


Preparei o cenário ,como um altar sagrado

Conferi os instrumentos ,os líquidos alquímicos,

A gama completa de cores – Olhos

Dispostas em perfeito alinhamento áureo – Mãos

A peças-modelos empoeiradas, perfeitas

Em contraste com a fruta fresca e aveludada – Paladar

A luz invadindo a nave-atelier

Através da janela entreaberta – Vitrais multicores do mundo de fora

Em contraste com os sépias e sombras do mundo de dentro – perfeito

Incensário de flores e verdes úmidos

Aromas da natureza – Cheiros de vida

Em contraste com voláteis perfumes de chumbo e linhaça – Cheiros místicos.

Soa a música do passado – tão viva e eterna

Como a lágrima displicente que desliza de minha face

Sinfonia Lamuriosa ,Opus da Saudade

Acordes de lamentos em bemol

Vocalizes do coração sustenido

E assim se consagrou o sacro momento.


Com pinceladas vigorosas e únicas ;cores em explosão

Entorpecido por cascatas de idéias ultra velozes

Imagens formavam e desapareciam como fantasmas – mente em pleno vôo

Neste insano e profundo ato de criação

Almas penadas clamando ressentimentos,

Volatizando o éter do passado

A imagem poética aflorando em meio ao caos

De turbulências coloridas e traços rudes

Mas no instante seguinte , purificação,

A calma técnica e a precisão dos detalhes

Lapidando a forma ,aparando as arestas

Modelados por pincéis-bisturis

A sabedoria inconsciente e a conseqüente magia do resultado

Figurando o transe ritualístico

Destas horas únicas e preciosas:

A natividade da poesia pictórica,

Que marcada pela rubrica insignificante

Descende do púlpito severo

E revela-se o filho divino - Imortal


A cria por orgulho ,celebrada – Revelação

Num instante ,a glória solitária – Anunciação

A espera do louvor do reconhecimento – Adoração

E noutro instante ,a palavra ardilosa da crítica – Condenação

O não-entendimento ,insensibilidade – Calvário

A dor da intolerância ,o sangue derramado – Paixão

O aço afiado das palavras frias ,a ferida deferida ,a morte certeira – Ascensão

O fardo pesado da incompreensão ,a antevisão do inferno – Crucificação.


Neste flagelo urticante ,vi a clareza de minha falha

A soberba do impossível ,sobrepondo à criação

A fraqueza dominante ,vendendo minha alma

Justifiquei meu desejo por louvor ,com migalhas de argumentos vis

Maculando o momento celestial

Ofendendo a memória dos Mestres Inspiradores

Revelei-me “mais um”, medíocre e asqueroso

Como os canalhas eruditos – Críticos de arte.

Assisti meu mundo desmoronar

Castelo de cartas pintadas à mão

A pena capital diante do espelho – Desilusão e descrença

Minha condenação!


Dias são trevas ,noites são tormentos ,horas,lamentos

A cor tornando-se cinza ,a música inaudível ,a vida sem sentido

As lembranças ,esperanças ,sonhos e desejos

Carcomidos por vermes da realidade

Esfarinhando e perdendo-se aos ventos.

Oh amadas mentes geniais do passado!

Van Gogh , Modigliani , Beethoven , Tchaicovski, Mestres da dor!

Deixe-me unir às vossas tormentas gloriosas

Levem minha alma penosa e cansada para a morada da solidão eterna!

Conduzam-me para essa viagem escura e fria ,

Levem meu corpo imundo e pestilento

Nesta carruagem dantesca rumo a Hades.


O casto silêncio instala-se neste instante

Moléculas de poeira e luz levitam ao meu redor

A momentânea magia de instantes vividos

Insiste em perpetuar ,ainda que sem sentido.

Turvo se faz meu raciocínio

Momentos de incerteza e incompreensão

Assolam minha alma ,deixando-me assombrado e vacilante.

A sina se faz imperiosa

Fugir ,ato em vão – Consumar a vida ,ato de coragem

Desconexo ,não me resta escolha senão esta ;

Render-me ao vazio ,prostrar-me ante ao maior

E resignar-me frente às forças do Homem.


A saga causticante e fiel dos Imortais

Avulta-se em minha memória como a lembrança épica de minha vergonha

As brancas páginas do Livro Sagrado da Arte que escreveriam meu nome

Transformaram em combustível para o fogo fátuo

Que arde nos pântanos fétidos de meu coração

Dança secreta da tirania ;Triunfo dos materialistas

Sublimação do meu escárnio

Celebração de minha derrota.

Eis o novo paradigma dos Modernos:

A dissolução da arte pura e verdadeira

A favor do “Grotesco Chique”,

A arte como produto decorativo glamourizado

Do espanto poético do vulgar

Da ruidosa “música” das massas ,sem conteúdo nas letras e nos cérebros

Da ultramoderna deselegância da Dança

E da virulenta verdade das mídias.

Eis meu padecimento diante de tal Poder...


Para muitos sou covarde e fraco

Para poucos, muito pouco, sou a virtude consumada

O dom herdado dos antepassados, em vão

A epopéia dos fracassados,movido à paixão cega pelo incerto

E a suposta glória tardia...

Oh Senhor do destino!Entrego a Ti minha essência artística

Minha alma em sofrimento nato, nesta consumada sina de registrar o Belo

A insistência de viver um universo paralelo, onde a vida vivida não tem vez

E tão somente a vida idealizada,

Onde habita os seres fantásticos das fábulas medievais

E homens-poetas de corações e mentes navegantes.

Sou refém deste navio negreiro,

Singrando mares revoltosos

Grilhões emocionais prendem meu espírito a essa terra dos Sem-corações

Escravizando-me eternamente no mundo dos cegos insensíveis

Alimentados pelas artimanhas sedutoras dos poderosos

Hipnotizados pelo deslumbre do capital e o falso poder adquirido.

Não me resta saída senão a vender minha alma ao Poder

E mergulhar nesta antítese do viver

Num salto definitivo nesta escuridão abissal...

Ave Materialis Mundi!


Alfredo Vieira

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

José Saramago - o que é ter olhos num mundo de cegos

NÃO NOS ESQUEÇAMOS do que foi a nossa vida durante o tempo que estivemos internados, descemos todos os degraus da indignidade, todos, até atingirmos a abjecção, embora de maneira diferente pode suceder aqui o mesmo, lá ainda tínhamos a desculpa da abjecção dos de fora, agora não, agora somos todos iguais perante o mal e o bem, por favor, não me perguntem o que é o bem e o que é o mal, sabíamo-lo de cada vez que tivemos de agir no tempo em que a cegueira era uma excepção, o certo e o errado são apenas modos diferentes de entender a nossa relação com os outros, não a que temos com nós próprios, nessa não há que fiar, perdoem-me a prelecção moralística, é que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos, não sou rainha, não, sou simplesmente a que nasceu para ver o horror,vocês sentem-no,eu sinto-o e vejo-o.

José Saramago em "Ensaio sobre a cegueira" Cia das Letras, p. 262.

Paul Tillich - A coragem de ser

Os estóicos descobriram que o objeto do medo é o próprio medo. "Nada", diz Sêneca, "é terrível nas coisas exceto o próprio medo". E Epícteto diz: "Porque não é a morte, ou a privação, que é uma coisa terrível, mas o medo da morte e da privação". Nossa ansiedade coloca máscaras assustadoras sobre todos os homens e coisas. Se nós os despimos destas máscaras, aparecem suas próprias fisionomias e o medo que eles causam desaparece. Isto é verdade mesmo em relação à morte. Uma vez que cada dia um pouco de nossa vida é tirada - uma vez que estamos morrendo cada dia - a hora final, quando cessamos de existir, não traz, em si, a morte; tão só completa o processo da morte. Os horrores relacionados com ela dizem respeito à imaginação. Desaparecem quando se tira a máscara da imagem da morte.
Paul Tillich em "A coragem de ser" - Editora Paz e Terra, p.10
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