Mergulhado em águas de correntezas dançantes
Em meio a algas-bailarinas de inspiração
Lavei meus rancores e desafetos de outrora
Saciei minha sede por motivação à obra perfeita
Brindei aos deuses do paraíso artístico – Gênios da História
Com a bebida benta e rubra,
Meio amarga pelo sangue derramado de desilusões,
Meio doce pelo vislumbre idílico dos dias de glória
E vesti-me com a túnica sagrada dos imortais.
Preparei o cenário ,como um altar sagrado
Conferi os instrumentos ,os líquidos alquímicos,
A gama completa de cores – Olhos
Dispostas em perfeito alinhamento áureo – Mãos
A peças-modelos empoeiradas, perfeitas
Em contraste com a fruta fresca e aveludada – Paladar
A luz invadindo a nave-atelier
Através da janela entreaberta – Vitrais multicores do mundo de fora
Em contraste com os sépias e sombras do mundo de dentro – perfeito
Incensário de flores e verdes úmidos
Aromas da natureza – Cheiros de vida
Em contraste com voláteis perfumes de chumbo e linhaça – Cheiros místicos.
Soa a música do passado – tão viva e eterna
Como a lágrima displicente que desliza de minha face
Sinfonia Lamuriosa ,Opus da Saudade
Acordes de lamentos em bemol
Vocalizes do coração sustenido
E assim se consagrou o sacro momento.
Com pinceladas vigorosas e únicas ;cores em explosão
Entorpecido por cascatas de idéias ultra velozes
Imagens formavam e desapareciam como fantasmas – mente em pleno vôo
Neste insano e profundo ato de criação
Almas penadas clamando ressentimentos,
Volatizando o éter do passado
A imagem poética aflorando em meio ao caos
De turbulências coloridas e traços rudes
Mas no instante seguinte , purificação,
A calma técnica e a precisão dos detalhes
Lapidando a forma ,aparando as arestas
Modelados por pincéis-bisturis
A sabedoria inconsciente e a conseqüente magia do resultado
Figurando o transe ritualístico
Destas horas únicas e preciosas:
A natividade da poesia pictórica,
Que marcada pela rubrica insignificante
Descende do púlpito severo
E revela-se o filho divino - Imortal
A cria por orgulho ,celebrada – Revelação
Num instante ,a glória solitária – Anunciação
A espera do louvor do reconhecimento – Adoração
E noutro instante ,a palavra ardilosa da crítica – Condenação
O não-entendimento ,insensibilidade – Calvário
A dor da intolerância ,o sangue derramado – Paixão
O aço afiado das palavras frias ,a ferida deferida ,a morte certeira – Ascensão
O fardo pesado da incompreensão ,a antevisão do inferno – Crucificação.
Neste flagelo urticante ,vi a clareza de minha falha
A soberba do impossível ,sobrepondo à criação
A fraqueza dominante ,vendendo minha alma
Justifiquei meu desejo por louvor ,com migalhas de argumentos vis
Maculando o momento celestial
Ofendendo a memória dos Mestres Inspiradores
Revelei-me “mais um”, medíocre e asqueroso
Como os canalhas eruditos – Críticos de arte.
Assisti meu mundo desmoronar
Castelo de cartas pintadas à mão
A pena capital diante do espelho – Desilusão e descrença
Minha condenação!
Dias são trevas ,noites são tormentos ,horas,lamentos
A cor tornando-se cinza ,a música inaudível ,a vida sem sentido
As lembranças ,esperanças ,sonhos e desejos
Carcomidos por vermes da realidade
Esfarinhando e perdendo-se aos ventos.
Oh amadas mentes geniais do passado!
Van Gogh , Modigliani , Beethoven , Tchaicovski, Mestres da dor!
Deixe-me unir às vossas tormentas gloriosas
Levem minha alma penosa e cansada para a morada da solidão eterna!
Conduzam-me para essa viagem escura e fria ,
Levem meu corpo imundo e pestilento
Nesta carruagem dantesca rumo a Hades.
O casto silêncio instala-se neste instante
Moléculas de poeira e luz levitam ao meu redor
A momentânea magia de instantes vividos
Insiste em perpetuar ,ainda que sem sentido.
Turvo se faz meu raciocínio
Momentos de incerteza e incompreensão
Assolam minha alma ,deixando-me assombrado e vacilante.
A sina se faz imperiosa
Fugir ,ato em vão – Consumar a vida ,ato de coragem
Desconexo ,não me resta escolha senão esta ;
Render-me ao vazio ,prostrar-me ante ao maior
E resignar-me frente às forças do Homem.
A saga causticante e fiel dos Imortais
Avulta-se em minha memória como a lembrança épica de minha vergonha
As brancas páginas do Livro Sagrado da Arte que escreveriam meu nome
Transformaram em combustível para o fogo fátuo
Que arde nos pântanos fétidos de meu coração
Dança secreta da tirania ;Triunfo dos materialistas
Sublimação do meu escárnio
Celebração de minha derrota.
Eis o novo paradigma dos Modernos:
A dissolução da arte pura e verdadeira
A favor do “Grotesco Chique”,
A arte como produto decorativo glamourizado
Do espanto poético do vulgar
Da ruidosa “música” das massas ,sem conteúdo nas letras e nos cérebros
Da ultramoderna deselegância da Dança
E da virulenta verdade das mídias.
Eis meu padecimento diante de tal Poder...
Para muitos sou covarde e fraco
Para poucos, muito pouco, sou a virtude consumada
O dom herdado dos antepassados, em vão
A epopéia dos fracassados,movido à paixão cega pelo incerto
E a suposta glória tardia...
Oh Senhor do destino!Entrego a Ti minha essência artística
Minha alma em sofrimento nato, nesta consumada sina de registrar o Belo
A insistência de viver um universo paralelo, onde a vida vivida não tem vez
E tão somente a vida idealizada,
Onde habita os seres fantásticos das fábulas medievais
E homens-poetas de corações e mentes navegantes.
Sou refém deste navio negreiro,
Singrando mares revoltosos
Grilhões emocionais prendem meu espírito a essa terra dos Sem-corações
Escravizando-me eternamente no mundo dos cegos insensíveis
Alimentados pelas artimanhas sedutoras dos poderosos
Hipnotizados pelo deslumbre do capital e o falso poder adquirido.
Não me resta saída senão a vender minha alma ao Poder
E mergulhar nesta antítese do viver
Num salto definitivo nesta escuridão abissal...
Ave Materialis Mundi!
Alfredo Vieira